No Brasil, o Código Civil (CC), o qual corresponde à Lei nº 10.406/2002, regula um sem-número de relações jurídicas nas quais, em algum momento, qualquer pessoa vai se inserir, invariavelmente; afinal de contas, uma relação jurídica é uma espécie de relação social.

Dentre as relações jurídicas que se submetem a essa normatização, estão as relações empresariais, às quais o CC conferiu tratamento destacado; tanto que vêm reguladas em livro próprio: o “Direito de Empresa” ou “Direito Empresarial”, precisamente em seus artigos 966 a 1195.

Segundo Nelson Nery Júnior, empresa “É a atividade organizada, de natureza privada, com o objetivo de produção ou de circulação de bens e serviços no mercado”; e, para explorá-la, é comum a opção dos indivíduos por se reunirem em sociedade, numa das formatações jurídicas previstas no próprio CC, como ilustram estes dispositivos:

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

[…]”.

“Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

[…]”

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

[…]”.

“Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.

[…]”.

Uma vez tomada a decisão pelos indivíduos que comporão a sociedade de criá-la e escolhida a sua formatação jurídica, há algumas providências que deverão adotar, a fim de que seja constituída e adquira personalidade jurídica própria; por exemplo: é preciso elaborar o contrato social e levá-lo a registro na Junta Comercial, nos termos do CC:

“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

[…]

II – as sociedades;

[…]”.

“Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

[…]”.

“Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”.

O tipo de sociedade empresária mais usual e conhecida é a sociedade limitada (arts. 1052 a 1087, CC), em cujo contrato social deverão estar as matérias seguintes, nos termos do artigo 997, aplicável por força do artigo 1054, ambos do CC:

“Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV – a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;

VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;

VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

[…]”.

“Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social”.

A partir da leitura desses dispositivos, vê-se que o contrato social de uma sociedade limitada é o documento básico que a constitui – tanto que o art. 85 do CC a ele também ser refere como “ato constitutivo – e regula as relações jurídicas entres os sócios; só que, justamente por ser básico, ele costuma ser insuficiente para regular todas as situações, o que pode gerar conflitos.

Melhor explicando: no dia a dia da sociedade, várias questões com potencial conflituoso surgem; por exemplo: qual sócio cuidará da parte comercial? Qual sócio cuidará da parte financeira? Uma vez afastado o sócio para realização de um curso, como ficará a sua remuneração? Em que situações um novo sócio poderá ser admitido?

Ocorre que, além de não ser obrigatório, não é recomendável incluir no contrato social as respostas a tais questões e outras tantas a elas equiparadas, pois, por ser arquivado na Junta Comercial, é um documento público, acessível a qualquer um; e essas questões são de interesse interno da sociedade e dos sócios apenas.

O recomendável então é tratar dessas questões num documento interno e apartado do contrato social; e esse documento é o que se chama de acordo de sócios, no qual é possível regular várias dessas questões que podem gerar conflitos entre os sócios se não estiverem claros os direitos e obrigações de cada um, sendo de suma importância para evitar e solucionar litígios entre eles.

Apesar do acordo de sócios não estar previsto expressamente no CC para as sociedades nele indicadas – p. ex.: sociedades limitadas – não há dúvidas da sua legalidade, como bem ilustra o enunciado 384, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ; e ratifica o próprio STJ, ao validar a sua força vinculante num caso concreto submetido à sua apreciação:

“Nas sociedades personificadas previstas no CC, exceto a cooperativa, é admissível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes ao acordo de acionistas”. (Enunciado 384, IV Jornada de Direito Civil do CJF/STJ)

“[…]

4. Não houve alteração da sentença na fase de liquidação, visto que a decisão liquidanda já determinava a observação do acordo de sócios para a apuração de suas participações.

[…]”. (REsp n. 1.784.792/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/12/2019, DJe de 6/12/2019.)

E esse entendimento advém de alguns elementos argumentativos, tais como: o artigo 104 e o parágrafo único do art. 997 do CC, em interpretação combinada e teleológica (art. 5º, Decreto-Lei 4657/1942); pacta sunt servanda, autonomia da vontade e liberdade de contratar (arts. 421 e 425, CC); aplicação supletiva às sociedades limitadas do regramento das sociedades anônimas (art. 1053, p. ú., CC), no qual o acordo de sócios está previsto expressamente em várias passagens da Lei 6404/1976:

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei”.

“Art. 997. […]

Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

“Art. 5o. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

“Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. 

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

“Art. 1.053. […]

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.

“[…]

5. A atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre-concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda.

[…]”. (REsp n. 1.644.890/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 26/8/2020.)

Conclui-se, portanto, que, além de legal, é altamente recomendável a elaboração de acordo de sócios.